Na caminhada do ano litúrgico
“O ano litúrgico se apresenta como um verdadeiro “sacramento”, como um instrumento no qual e pelo qual Deus se faz presente, como na humanidade de Cristo, a sua vida divina mediante o Espírito Santo. O ano litúrgico não celebra o mistério de Cristo de forma genérica, mas celebra-o nos seus diversos momentos e episódios a que chamamos “mistérios”; por meio deles Cristo realizou nossa salvação, em sua morte e Ressurreição”.
O Ano Litúrgico é a articulação do calendário anual da liturgia da Igreja Católica. No Rito Romano inicia no primeiro domingo do Advento, no final de novembro/início de dezembro e termina na última semana do Tempo Comum. Consiste em um calendário de celebrações estruturado em torno do mistério pascal de Cristo, com o ciclo maior da Páscoa e o ciclo menor do Natal; um ciclo de leituras bíblicas para a celebração da Eucaristia todos os dias do ano e um ciclo de leituras bíblicas e patrísticas, bem como de outros textos, para a Liturgia das Horas.
No programa passado, Pe. Gerson Schmidt* nos trouxe a reflexão “Deus se manifesta no tempo da história do homem”. No programa de hoje, o tema é “Na caminhada do ano litúrgico”:
“Diz assim o subsídio para o Ano Jubilar: “O Tempo litúrgico da Páscoa, impregnado da presença do Ressuscitado, envolve o tempo do homem, o nosso tempo, com impulso protetor, a fim de que a confiança não esmoreça, a esperança não se abale e a caridade não se renda. “Homo viator spe erectus”, diz um provérbio antigo medieval: o homem pode caminhar pelas estradas da vida graças a esperança que lhe permite manter uma postura ereta, de ressuscitado, e olhar para o futuro com confiança. Para caminhar como viajantes rumo a um destino, é importante sentir-se amparado pela esperança. E a esperança para nós, cristãos, tem um nome: chama-se Jesus. O tempo Pascal é o tempo que a Igreja nos leva a confiar no Ressuscitado e nos entregar a Ele, para experimentar como indivíduos e como comunidade cristã a sua presença viva e ativa que sussurra no coração de cada um a sua saudação pascal: “A Paz esteja convosco!”[1].
É precisamente no espaço de um ano, isto é, no espaço de uma volta completa da terra em torno do sol, que hoje a liturgia, enquanto o lugar privilegiado do encontro com Deus, nos torna participantes de todo o mistério de Cristo, fazendo-nos percorrer sacramentalmente, e não apenas como simples lembrança, as etapas de sua existência terrena, tornando-nos assim já hoje, de algum modo, partícipes de sua vida divina. O ano litúrgico se apresenta como um verdadeiro “sacramento”, como um instrumento no qual e pelo qual Deus se faz presente, como na humanidade de Cristo, a sua vida divina mediante o Espírito Santo. O ano litúrgico não celebra o mistério de Cristo de forma genérica, mas celebra-o nos seus diversos momentos e episódios a que chamamos “mistérios”; por meio deles Cristo realizou nossa salvação, em sua morte e Ressurreição[2].
E o Catecismo da Igreja Católica, no número 1168, sobre o compasso do ano litúrgico na Igreja, aponta assim: “Partindo do Tríduo Pascal, como da sua fonte de luz, o tempo novo da ressurreição enche todo o ano litúrgico da sua claridade. Progressivamente, dum lado e doutro desta fonte, o ano é transfigurado pela liturgia. Ele é realmente “o ano da graça do Senhor” (Lc 4,19). A economia da salvação realiza-se no quadro do tempo, mas a partir do seu cumprimento na Páscoa de Jesus e da efusão do Espírito Santo, o fim da história é antecipado, pregustado, e o Reino de Deus entra no nosso tempo”. Entenda-se a palavra “economia de salvação” não no sentido usual de ajuste financeiro, mas como o modo de proceder pedagógico de Deus, que se manifesta gradativamente ao ser humano, culminando com a revelação em Cristo Jesus.
E no número 1171 do Catecismo descreve assim: “O ano litúrgico é o desenrolar dos diferentes aspectos do único mistério pascal. Isto vale particularmente para o ciclo das festas em torno do mistério da Encarnação (Anunciação, Natal, Epifania), que comemoram o princípio da nossa salvação e nos comunicam as primícias do mistério da Páscoa”. A Páscoa, portanto, sempre estará por detrás de qualquer celebração, qualquer ato litúrgico, qualquer ação da Igreja, mesmo no Tempo Comum das ações cotidianas vivenciadas por Cristo, que sempre estarão em vista de sua entrega total.
A homilia Pascal do bispo São Basílio de Selêucia recupera a tônica pascal que perpassa todo o ano litúrgico: “Realmente na cruz obteve o triunfo sobre os nossos pecados, mergulhou na mística água do Batismo as vestes de nossa injustiça, e atirou para o fundo do mar todas as nossas faltas. Pensa na fonte do santo Batismo e apregoa a graça. Pois o Batismo é a síntese de todos os bens, a purificação do mundo, a restauração da natureza, o perdão total, o remédio que nada custa, a esponja que limpa a consciência, a veste que não envelhece com o tempo, o útero que concebe virginalmente, o sepulcro que dá vida aos que foram enterrados, o abismo em que somem os pecados, o túmulo de Satanás, o sinete e baluarte dos que foram assinalados, a fonte que extingue a geena, o anfitrião da ceia do Senhor, a graça dos antigos e novos mistérios, já prenunciada em Moisés, e a glória pelos séculos dos séculos. Amém”[3].
Tal importância do sacramento primordial, que nos faz pertencer à comunidade de fé e à filiação divina. O ciclo litúrgico não se repete em nós e na comunidade, mas se atualiza com um vigor ainda maior e mais intenso, a cada etapa do ano que celebramos. O nosso batismo se renova pela caminhada de fé celebrada em cada mistério, inseridos na Igreja particular e universal.”
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[1] BARBA, Maurizio. Cadernos do Concilio de número 13 – Os tempos Fortes do Ano litúrgico, Edições CNBB, p.33.
[2] Idem, p. 52.
[3] São Basílio de Selêucia. Hom. in Sanctum Pascha: SCh 187,275-277, Vincentium Riccardo interprete.
Fonte: Vatican News