Por que todo católico deve dar esmolas?

Mesmo negligenciada, a esmola é um elemento essencial de nossa vida “no Espírito”. Assim como a oração e o jejum, ela faz parte de nosso abandono do pecado e conversão a Deus. Quando Jesus apresenta as obras quaresmais, a esmola vem primeiro, não por último.

No Sermão da Montanha, Jesus fala de três práticas que constituem a base de toda a vida espiritual: a oração, o jejum e a esmola. De fato, Ele não diz: “Se orardes… jejuardes… deres esmola”, mas, “Quando orardes… jejuardes… deres esmola” (Mt 6, 2.5.16). Nenhum dos três é apresentado como opcional. Todos são essenciais. Poderíamos considerar os três como uma espécie de tripé, e sabemos o que acontece se um dos pés faltar ou estiver fraco.
A oração, o jejum e a esmola nos ajudam a superar as coisas que sufocam nossa vida espiritual e nos impedem de produzir bons frutos. Na versão de São Lucas da parábola do semeador, há três coisas que sufocam a Palavra: as preocupações do mundo, as riquezas e os prazeres da vida (cf. Lc 8, 14). Oração, esmola e jejum são os três remédios específicos para isso. A oração faz-nos concentrar em Deus e não nas preocupações de nossas vidas. A esmola nos ajuda a não focar nas riquezas. E o jejum é o antídoto para não se corromper com os prazeres da vida. Juntos, eles nos livram de ser cristãos estéreis.
Aqui eu quero me concentrar na esmola, por quatro razões. Primeiro, porque acho que às vezes ela não é vista como parte da nossa vida espiritual, de nossa vida “no Espírito”. Segundo, porque ela é um elemento essencial de nossa vida espiritual. Terceiro, porque penso que, nos países de primeiro mundo, onde mais precisamos dessa prática, nós a estamos negligenciando muito. Quarto, porque a esmola, assim como o jejum, é uma forma de oração; e também de jejum.
Embora normalmente coloquemos os três nesta ordem: oração, jejum e esmola, a ordem em que Jesus os aborda em seu sermão é: esmola, oração e jejum. A esmola vem primeiro, não por último (cf. Mt 6, 1-18). Jesus se refere a todos os três como dikaiosynēn; em português, justiça (Mt 6, 1). Podemos pensar que Ele está ensinando algo de novo, mas não está. No livro de Tobias, o anjo Rafael diz a Tobit e Tobias: “A oração é boa quando acompanhada de jejum, esmola e justiça” (Tb 12, 8).
Jesus diz a seus ouvintes que a esmola deve ser feita em segredo e que Deus recompensará esse tipo de prática. E que tipo de recompensa receberemos? Ora, uma especificamente mencionada é a purificação de nossos pecados. Jesus diz aos fariseus:

Vós, fariseus, limpais o que está por fora do vaso e do prato, mas o vosso interior está cheio de roubo e maldade! Insensatos! Quem fez o exterior não fez também o conteúdo? Dai antes em esmola o que possuís, e todas as coisas vos serão limpas. Ai de vós, fariseus, que pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de diversas ervas e desprezais a justiça e o amor de Deus. No entanto, era necessário praticar essas coisas, sem contudo deixar de fazer aquelas outras coisas (Lc 11, 39-42).

Assim como a oração e o jejum, a esmola é parte integrante de nosso abandono do pecado e da nossa conversão a Deus. Quando se arrependeu e se converteu, Zaqueu deu metade dos seus bens aos pobres (cf. Lc 19, 8).
Novamente, este não é um ensinamento novo, pois lemos a mesma coisa em Tobias: “É melhor pouco com justiça, do que muito com iniquidade. Mais vale dar esmola do que acumular tesouros de ouro. A esmola liberta da morte e purifica de todo pecado. Os que praticam esmola terão vida longa; os que cometem pecado e iniquidade, são inimigos de si mesmos” (Tb 12, 8-10). A Sirácida [livro do Eclesiástico] diz: “A água apaga o fogo crepitante: assim a esmola expia os pecados” (3, 33). E em Provérbios lemos: “Quem se compadece do pobre empresta ao Senhor, e Ele o recompensará pelo que fez” (19, 17). Deus dá uma recompensa adequada para a esmola. Como o esmoleiro salva o pobre da morte física, assim Deus livra o esmoleiro da morte espiritual.
Mencionou-se o dízimo há pouco, então é este o momento de explicar como ele difere da esmola. O dízimo é o que damos à Igreja para sua manutenção e missão, o que “colocamos no cesto” na Missa dominical. A esmola é o que damos aos mais necessitados, como nas doações ao povo de Beirute após a terrível explosão de 2020. É importante entender a distinção entre dízimo e esmola, para que não pensemos estar dando esmola quando só devolvemos o dízimo.
Os fariseus eram defensores do dízimo, e Jesus não os condenou por isso. Pelo contrário, Ele lhes diz que devem dar o dízimo (cf. Lc 11, 42). O dízimo é necessário, mas não suficiente. Na parábola do fariseu e do publicano, o fariseu ora no Templo assim: “Deus, eu te agradeço, porque não sou como os outros, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como esse publicado. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de toda a minha renda” (Lc 18, 9-14). O fariseu reza. Ele jejua. Ele dá seus dízimos. No entanto, não menciona nenhuma esmola. Seu tripé espiritual parece estar sem uma perna, por isso ele cai. Nunca há menção nos Evangelhos de um fariseu dando esmola, embora esta fosse ordenada pela Lei (cf. Dt 15, 11). Ao contrário, diz-se que eles eram avarentos. Amavam o dinheiro (cf. Lc 16, 14).
Em primeiro lugar, a esmola é material: dinheiro, comida, roupas e outras coisas físicas que as pessoas precisam. No entanto, São João Crisóstomo nos diz que a esmola inclui qualquer coisa que possa ajudar os outros, “como o médico quando cura e o sábio quando dá conselhos” [i]. São Beda, o Venerável, diz que um doador de esmolas é não só o que “dá comida ao faminto e coisas desse tipo, mas também o que dá perdão ao pecador, e reza por ele, e o repreende, visitando-o com alguma punição para corrigi-lo” [ii]. Podemos dar aos que são espiritualmente pobres, bem como aos que são materialmente pobres. No entanto, não devemos usar uma desculpa do tipo: “Eu já tiro do meu tempo e do meu talento. Portanto, estou dispensado de dar do meu dinheiro”.
Como já dito, a esmola é uma forma de jejum e oração. A esmola é uma forma de jejum pois requer de nós que renunciemos a algo, que façamos um “sacrifício”. E porque é um sacrifício, é também uma forma de oração. Diz Tobit que, “para todos os que a praticam, a caridade é uma oferenda valiosa diante do Altíssimo” (4, 11), e o anjo que apareceu a Cornélio, o centurião, disse a ele que: “Tuas preces e tuas esmolas subiram para serem lembradas diante de Deus” (At 10, 4). A esmola é uma forma de adoração capaz de neutralizar a “idolatria” da avareza (cf. Ef 5, 5; Cl 3, 5).
Então, vamos dar esmola. As próximas perguntas são: quanto devemos dar de esmola e que nível de pobreza nos escusa de dá-la? Em nenhum lugar da Sagrada Escritura são dadas respostas exatas a essas perguntas, apenas algumas indicações gerais. Assim, Tobit aconselha seu filho Tobias da seguinte maneira: “Segundo o que tiveres, conforme a importância dos teus bens, dá a esmola. Se tiveres pouco, não receies dar a esmola desse pouco” (4, 8). São Paulo nos diz para sermos liberais em nossas contribuições (cf. Rm 12, 8), mas que “cada um dê conforme tiver decidido em seu coração” (2Cor 9, 7). O conselho essencial é: confie em Deus e não tenha medo de ser generoso.
Quando se é pobre demais para dar esmolas? Em Lucas, Jesus louva a viúva necessitada que pôs duas lepta, moedas de cobre, no tesouro do Templo (cf. Lc 21, 1-4). Na Vulgata latina, lepta traduz-se por minuta (de minutus), donde o português “miúdo”, “diminuto”. Naquela época, a doação da viúva valia um quadrans de um as (um quarto de um asse), um sessenta e quatro avos de um denário de prata, que era o salário diário de um trabalhador. E a viúva estava voluntariamente dando o dízimo, não esmola. O que entrava nos treze receptáculos do Pátio das Mulheres, que recebiam contribuições para o tesouro do Templo, era para a manutenção e serviço do Templo, não para os pobres. Não é interessante que a viúva necessitada tenha dado primeiro ao Senhor?
O próprio Jesus deu esmolas — embora as raposas tivessem tocas, e as aves do céu tivessem ninhos, mas o Filho do Homem não tivesse onde reclinar a cabeça (cf. Mt 8, 20). No Evangelho de João, quando Jesus disse a Judas que fizesse depressa o que iria fazer, alguns dos outros Apóstolos presumiram que Jesus estava lhe mandando comprar algo para a festa da Páscoa, ou dar algo aos pobres (cf. Jo 13, 29). Ora, se esta não fosse uma prática comum do Senhor, seria absurda a suposição dos discípulos. Provavelmente foi assim que Judas conseguiu pôr as mãos na bolsa [de dinheiro] sem ser apanhado (cf. Jo 12, 6). Ao invés de dar dinheiro aos pobres, ele poderia colocá-lo em seu próprio bolso.
A esmola também não é algo a ser feito só pelos leigos. Na parábola do bom samaritano, o sacerdote e o levita que passavam poderiam ter feito o que o samaritano fez. Bispos, padres, diáconos e religiosos podem e devem dar esmola. O bispo de Roma tem um esmoleiro. Talvez os outros bispos devessem ter um também.
Enfim, quando é que alguém é tão pobre ao ponto de ser escusado de dar esmolas? Para mim, creio não ser possível ficar abaixo do padrão estabelecido pelos varredores de rua paquistaneses. Quando comecei a estudar teologia, minha turma de grego recebeu a visita de um homem da Sociedade Bíblica, que deu a cada um de nós uma cópia gratuita do Novo Testamento em grego. Ele também nos contou uma história da qual não me esquecerei jamais (muito embora eu não consiga me lembrar por que ele a contou para nós).
Alguns varredores de rua se converteram a Cristo no Paquistão. Posteriormente, eles aprenderam na Bíblia que os cristãos deveriam dar esmolas aos pobres. Então, eles decidiram separar uma parte de seus magros rendimentos como fundo para doar dinheiro a pessoas mais pobres do que eles. Pois bem, eu não sei exatamente quanto ganhava um varredor de rua no Paquistão, mas duvido que fosse muito mais que o necessário para manter os corpos e as almas suas e de suas famílias — se é que eles podiam se dar ao luxo de criar uma família.
Na época, eu era um “pobre estudante de teologia” — pobre o suficiente para morar em um pequeno trailer na garagem de alguém. Mas, a partir de então, qualquer desculpa que eu pudesse dar por ser pobre demais para dar esmolas foi completamente demolida. Pois eu estava de barriga cheia, com roupas no corpo, um teto sobre a cabeça e dinheiro suficiente para todas as minhas outras necessidades essenciais. Eu podia dar “alguma coisa”.
Cada um de nós precisa começar com “alguma coisa”, por pouca que seja. As duas lepta da viúva necessitada não teriam comprado sequer um pardal (cf. Mt 10, 29). Mas, assim como na oração e no jejum, também devemos procurar crescer na esmola. Quem deseja, pois, crescer na doação de esmolas, assim como deve rezar e jejuar regularmente, deve se determinar a dar esmola regularmente. Determine o quanto você dará de seu rendimento periódico, e quem serão os beneficiados. Pague a Deus e aos pobres primeiro, depois pague as suas outras contas. Se receber uma bonificação ou lucro inesperado, doe uma parte dela. Foi esse o “descuido” do homem rico que teve uma boa colheita. Ele não era só um homem com uma boa colheita, mas um homem rico (cf. Lc 12, 13-21)!
Como professor universitário em um país de primeiro mundo, em termos globais eu deveria ser contado entre os ricos. Não vivo em uma mansão, mas Deus continua me dando mais dinheiro. Doar parte dele é uma forma de me tornar “rico aos olhos de Deus” (Lc 12, 21). Quando alguns amigos meus venderam suas casas, eles doaram para a caridade dez por cento do lucro sobre o que haviam pagado originalmente. Esteja pronto a dar mais quando surgirem necessidades pontuais e inesperadas.
Ainda mais do que a quantia que doamos, a “disposição” com que o fazemos é crucial para receber qualquer benefício espiritual. Como São Paulo celebremente escreveu, “Deus ama quem dá com alegria” (2Cor 9, 7). Nisso, ele está apenas ecoando Tobit, que disse a seu filho: “Não haja desgosto em teu olhar quando deres esmola” (Tb 4, 7) [iii].
A esmola é um ministério que fortalece em nós todas as virtudes teologais. Crescemos em fé na Providência de Deus, em esperança na sua recompensa eterna e em amor a Ele e ao próximo. Reze a respeito da quantidade que você deve dar. Talvez você se surpreenda com o quanto crescerá em fé ao dar esmola, em esperança na sua recompensa e em amor a Deus e aos pobres.
A esmola faz parte do nosso caminho rumo à santidade. Pode ser um passo crucial para uma conversão mais profunda ao Senhor. Assim foi para São Martinho de Tours quando ele era ainda catecúmeno, antes de se tornar monge e depois bispo. Todos nós devemos conhecer a famosa história de seu manto. Martinho era um cavaleiro romano. Um dia, ao se aproximar dos portões da cidade de Amiens no meio do inverno, ele encontrou um “pobre homem desprovido de roupas” e cortou sua capa militar ao meio para dividi-la com ele. Naquela noite, São Martinho sonhou com Jesus vestindo a mesma meia capa. Ele ouviu Jesus dizer aos anjos: “Martinho, que ainda é catecúmeno, vestiu-me com esse manto”. De acordo com seu biógrafo, Sulpício Severo, na época desse episódio Martinho tinha apenas 18 anos de idade [iv]!
Ademais, se não dermos esmola, podemos terminar no castigo eterno (cf. Mt 25, 31-46). São João Crisóstomo pregou com frequência e eloquência a esse respeito:
Queres honrar o Corpo do Salvador? Não o desprezes quando estiver nu. Não o honres na igreja com vestes de seda, enquanto do lado de fora ele está nu e entorpecido de frio. Aquele que disse: “Isto é o meu corpo”, e o fez com a sua palavra, é o mesmo que disse: “Vistes-me com fome e não me destes de comer”; e ainda: “Quando não fizestes isso a um destes mínimos, foi a mim que o deixastes de fazer” […]. Presta-lhe, pois, a honra que preceitua a Lei, dividindo com os pobres os teus bens. Pois o que Deus precisa não é de cálices de ouro, mas de almas de ouro [v].
Noutro lugar, comentando sobre Lázaro e o homem rico, ele diz: “Não dividir com os pobres as nossas riquezas é roubá-los e privá-los de seu sustento; o que possuímos não é só nosso, mas também deles” [vi].
Tornemo-nos, pois, esmoleiros de Deus e demos esmolas imitando sua generosidade para conosco. Façamo-lo com fé e sem ansiedade, porque “Deus é poderoso para tornar transbordante em vós toda a graça, para que, em tudo, tenhais sempre o necessário e ainda tenhais de sobra para empregar em alguma boa obra… Assim, vos tornareis ricos para toda generosidade” (2Cor 9, 8.11).

Fonte: Padre Paulo Ricardo

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