A identidade da Igreja na Exortação Apostólica Dilexi te
Recebemos com filial atenção a primeira Exortação Apostólica de Sua Santidade, o Papa Leão XIV, Dilexi te. Este documento, que inaugura o seu magistério, não busca apresentar uma novidade doutrinal, mas, de forma sábia e pastoral, nos reconduzir ao coração do Evangelho e à identidade mais profunda da Igreja: o seu vínculo inseparável com Cristo pobre e, por consequência, com todos os pobres da terra. O Papa assume o legado de seu predecessor, o Papa Francisco, e nos oferece uma profunda meditação sobre o que significa ser discípulo de Jesus no mundo de hoje.
O valor deste documento reside, primeiramente, em seu sólido fundamento bíblico. O Santo Padre não trata a caridade como um mero apêndice social da fé, mas como a sua consequência teológica direta. Ele nos recorda que o Deus que se revela no Êxodo é Aquele que “bem viu a opressão” e “ouviu o seu clamor”. Esta compaixão divina atinge seu ápice na Encarnação. O Papa Leão XIV insiste que a pobreza de Cristo não foi acidental, mas uma escolha salvífica: “sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza”. Portanto, quando a Igreja opta pelos pobres, ela não está fazendo uma escolha ideológica, mas sendo fiel à sua própria natureza cristológica. O pobre é um “sacramento” da presença de Cristo; ao tocá-lo, tocamos a “carne sofredora de Cristo”.
O Papa Leão XIV dedica um longo e belo capítulo para demonstrar que esta não é uma preocupação moderna, mas a corrente viva da Tradição da Igreja. Não posso deixar de me alegrar ao ver o Santo Padre recordar a Regra de São Bento, que nos manda receber o pobre e o peregrino “porque sobretudo na pessoa desses, Cristo é recebido”. Esta regra de hospitalidade monástica é, na verdade, a regra de ouro para toda a Igreja. Em meus anos de pastoreio na Diocese de Caraguatatuba e na Arquidiocese de Passo Fundo, pude testemunhar inúmeras vezes como esta verdade é vivida nas bases. Vi a fé autêntica não apenas nos grandes eventos, mas no trabalho silencioso das pastorais sociais, na dedicação dos leigos que servem nas casas de passagem ou nas pastorais da criança e da pessoa idosa. Continuo, como arcebispo emérito, auxiliando entidades que cuidam de doentes, marginalizados e descartados da sociedade. Nestes lugares passo os melhores momentos de meus dias e dedico o meu apostolado. São esses gestos que constroem a Igreja e dão credibilidade ao Evangelho. O Papa nos mostra que São Francisco, São João Bosco ou Santa Dulce dos Pobres não são exceções heroicas, mas o modelo daquilo que toda a comunidade é chamada a ser.
Contudo, a Exortação Apostólica nos alerta que a caridade individual não é suficiente. O documento retoma com vigor os ensinamentos da Doutrina Social da Igreja, insistindo na necessidade de combater as “causas estruturais da pobreza”. O Papa Leão XIV denuncia uma “ditadura de uma economia que mata”, que gera desigualdade e promove a “cultura do descarte”. A nossa fé, portanto, exige um compromisso social e político para transformar essas estruturas injustas. A fé não pode ser vivida apenas na esfera privada; ela deve ter uma incidência pública na busca pelo bem comum.
Por fim, Dilexi te é um profundo exame de consciência para todos nós, pastores e fiéis. O Papa nos adverte severamente contra o risco do “mundanismo espiritual”, ou seja, de uma Igreja que se contenta com suas liturgias, reuniões e discursos, mas que se mantém tranquila e distante dos pobres. Ele afirma que uma comunidade assim corre o “risco da sua dissolução”. Que este primeiro grande ensinamento do Papa Leão XIV nos ajude a verificar se nossas paróquias e dioceses são verdadeiramente a casa de todos, mas especialmente a casa onde os pobres se sentem acolhidos como o próprio Cristo.
Fonte: CNBB