E se eu misturar água benta e não benta?
Eis uma dúvida bastante comum: pode-se adicionar à água benta uma porção de água não benta a fim de aumentar a quantidade daquela? Provavelmente sim, segundo Santo Tomás e o costume da Igreja. Entenda melhor a questão neste texto.
Dúvida sobre o rito: pode-se adicionar à água benta uma porção de água não benta de modo a aumentar a quantidade daquela?
Resposta: em resumo, provavelmente sim.
Embora a lei litúrgica atual não fale exatamente sobre essa questão, a ideia geral das bênçãos é que as coisas abençoadas retêm sua bênção desde que permaneçam inteiras, intactas, íntegras e sejam reconhecíveis como o que eram quando foram abençoadas. Por exemplo, segundo o entendimento tradicional, um altar perde sua bênção quando sua mensa [“mesa”] está rachada.
O rito batismal em vigor imediatamente antes das reformas litúrgicas da década de 1970 indica que, “se a água benta no batistério for tão pouca a ponto de verificar-se que não será suficiente, misture-se outra não benta, repetidas vezes inclusive, mas em quantidade menor [minore tamen copia]” [i].
Assim, seja qual for a porção de água que se adicione à água benta, a maior parte da água que permanece deve ser a que recebeu a bênção. Santo Tomás enuncia o princípio geral: aqua quæ admiscetur aquæ benedictæ, efficitur etiam benedicta — “a água que se mistura à água benta, torna-se benta ela também” (STh III 77, 8, obj. 3; cf. também STh III 66, 4c.).
Em seu livro de 1909, Holy Water and Its Significance for Catholics [“A Água Benta e o seu significado para os católicos”, Cultor de Livros, 2018, 64p.], o Padre Henry Theiler segue essa linha de raciocínio. Em resposta à pergunta: “Se a água benta disponível não for suficiente para a ocasião, pode-se adicionar água não abençoada?”, ele responde que sim, observando isto: “Deve-se tomar cuidado para não adicionar uma quantidade tão grande quanto a de água benta”.
Segue-se aqui a mesma lógica que Santo Tomás articula quanto à adição de um líquido ao Preciosíssimo Sangue: “Se acontece uma infusão muito grande de líquido a ponto de afetar todo o vinho consagrado que ficará inteiramente misturado, então já não se tem o mesmíssimo vinho e por isso cessa aí a presença do sangue de Cristo”. Ao contrário, “se se faz um acréscimo de líquido em pequena quantidade de tal modo que não afete a totalidade do vinho”, o Sangue permanece (STh III, 77 8c.). Dá-se o mesmo com a água benta: se uma pequena quantidade de água benta for acrescentada a um grande recipiente de água não benta, o conteúdo do recipiente não se tornará água benta.
Na prática, a adição de água não benta a outra porção abençoada parece ter sido uma prática relacionada especialmente à água batismal. Pelos termos em que está escrita a lei, parece aplicar-se a uma situação específica — que é conceder o dom da salvação através do santo Batismo — e não, talvez, para todo e qualquer caso.
Além disso, vale observar que a bênção da água batismal (fora da Páscoa e de Pentecostes) era um processo mais extenso se comparado à prática atual: incluía os sete Salmos penitenciais, a ladainha dos santos, o Pai-Nosso, o Credo dos Apóstolos, um exorcismo sobre a água, o ato de soprar sobre ela e o derramamento do óleo dos catecúmenos e do santo crisma na água em forma de cruz, tanto individual quanto simultaneamente. A água batismal abençoada dessa forma era a única matéria lícita para o batismo solene. Assim, com todos esses requisitos para [se fazer] a água batismal, de acordo com a rubrica citada acima, “se a água benta no batistério for tão pouca a ponto de verificar-se que não será suficiente, misture-se outra não benta, repetidas vezes inclusive, mas em quantidade menor”.
O processo de adicionar água à fonte pode ser repetido continuamente se a água não tiver evaporado por inteiro (cf. Código de 1917, Cân. 757, § 3)?
Em teoria, sim, mas este parecia ser um cenário improvável na lei antiga, devido aos aspectos práticos de manter limpa a pia batismal. (Há inúmeras histórias sobre o acúmulo de uma película na parte superior da água.) Com a nova bênção da água batismal em vigor, observou um canonista, a omissão da “prática de misturar o óleo batismal com a água” resolveu o “problema perene de preservar a limpeza das fontes batismais” [iii].
Embora a maioria de nós não sinta falta de água em nossa vida diária, sua escassez tem sido um problema em algumas partes do mundo. Para a nossa realidade norte-americana, ter um sacerdote ou diácono disponível para benzer a água é provavelmente um problema maior que a escassez de água. Seja qual for a circunstância, embora seja possível prever que uma porção de água não benta pode, sim, ser adicionada à benta para manter a bênção desta, o mais adequado parece ser simplesmente voltar à igreja paroquial e adquirir mais água recém-abençoada.
Fonte: Padre Paulo Ricardo